Decidir visitar qualquer lugar da América Latina em suas férias não é uma decisão fácil. Voltados para a América do Norte e para a Europa, a decisão mais simples (desde que não haja fatores orçamentários) é visitar lugares nestes dois continentes. Por lá o turista tem uma recepção segura e muitas facilidades para curtir os lugares que esteja com vontade. Por aqui a coisa é diferente. Lugares nem tão preparados para o turismo estrangeiro são a tônica. Mesmo os lugares mais preparados não oferecem as facilidades ao turista como nos continentes do norte global. Por isso, mirando a Europa e os EUA como referência, chamamos algo de “world class” quando há algum serviço ou infraestrutura dignos do preparo europeu e norte americano. Por que estou falando disso? Bem, por que estivemos na Colômbia e você vai saber mais adiante neste texto.
Viajamos por 11 dias e visitamos Cartagena de Índias, Bogotá e Zipaquirá. O que vimos foram lugares com muita história pra contar. Cartagena foi o principal porto da América Espanhola. Foi por onde se esvaiu grande parte do ouro roubado da América do Sul. Foi importante, foi escravagista, resistiu a ataques de piratas ingleses e criou cenários para Gabriel Garcia Marquez (que acaba de nos deixar).
Cartagena é uma cidade muitíssimo preparada para o turismo. Tem hotéis, restaurantes, informações em línguas diferentes, festivais de música erudita, festival de cinema, lojas padrão “world class” e consumo para todo tipo de bolso.
No entanto, o melhor que se faz por lá é comprar um chapéu estilo Panamá na mão de um dos muitos vendedores nas ruas da cidade e circular à pé pela cidade amuralhada. Para quem mira um turismo com coeficiente de conhecimento histórico não se pode perder o museu do Ouro Zenu e nem o Palácio da Inquisição. Estes dois passeios “world class” te levarão à história pré-colombiana da região bem como a história colombiana sob domínio espanhol. Dedique muitas horas a cada um e leia, mas leia tuuudo o que está pelas plaquetas. Dão uma ótima noção sobre a importância da cidade e o desenvolvimento do império espanhol bem como da cultura de ourivesaria dos Zenus e todo seu sistema social. O museu dedicado ao Padre San Pedro Claver também é muito interessante e mostra um sacerdote que viveu em prol dos escravos na primeira metade do século XVII.
o interessante é que o turista faça seu caminho entrando pelas que lhe encantarem mais – Multas portas tem como campainha uma salamandra. (e tem um conto do Gabriel Garcia Marquez sobre as portas de Cartagena que foi escrito para o museu de arte moderna “aqui solo falta un payaso pintado detras de una puerta”) No link há a integra do conto.
Ainda assim, algumas das portas que entramos nos encantaram bastante e vale a pena compartilhar.
Hostal San Diego – Pousada Simples mas com tudo que se precisa para a estada. Café da manhã, camas confortáveis, ar condicionado e chuveiro frio.
Mia Heladeria – Sorveteria de uma porta (literalmente uma porta só) mas que tem um sorvete delicioso com os sabores colombianos. Aliás, se achas que no Brasil tem todas as frutas do mundo, tente estas:
http://www1.folha.uol.com.br/comida/2007/12/353354-frutas-da-colombia-trazem-novos-ares-a-mesa-brasileira.shtml
La Cevicheria – Todas as cevicherias valem a pena. Mas esta é muito charmosa e com um ambiente bem gostoso.
Juan Del Mar – Esta é pop mas vale a pena. Peça o arroz com frutos do Mar, Michelada e limonada de coco!
La Patagônia – Quando cansar de comer pescados em geral corra para este ótimo restaurante argentino.
Perú Fusion – Restaurante sofisticado e moderno que “funde” comida peruana com comida japonesa. Vale muito à pena gastar uns COPs a mais pra experimentar.
Livraria ábaco – Ótimo lugar para tomar um café e folhear alguns livros sobre a historia da localidade. Os preços não são convidativos mas é possível fazer alguma concessão por um titulo ou um autor interessante. Mas vale mesmo pelo lugar aconchegante!
Não deixe de tomar Micheladas em todos os lugares que fores e nem de provar a limonada de coco.
Caminhar pelo Bairro Getsêmani também. Alí também há uma vida noturna intensa.
Ciladas: Ao nosso ver os passeios mais “roubada” são as voltas de carruagens pela cidade pois custam caro e não fazem nada que não se possa fazer a pé com muito mais calma, entrando nos lugares e explorando mais profundamente a cidade. Passeio às ilhas do rosário, Praia Branca e Baru.
Nestes passeios o turismo é muito desorganizado a ponto de diminuir o prazer do negócio. O mergulho na barreira de corais é o absoluto caos, bem como o porto de onde saem as lanchas. A autoridade dos parques nacionais, que deveria organizar e regular a coisa, em plena temporada, quando fomos, estava fechada! Os corais, com o aquecimento da água, o transito de barcos com motores potentíssimos e muitos grupos de turistas mau instruídos estão efetivamente mortos. Uma degradação ambiental realmente calamitosa!
Fazer o passeio de “Chiva” (caminhão transformado em ônibus) também nos pareceu uma roubada. O bicho pára a cada 2 minutos em lugares que não entendemos e ficamos enlatados dentro de uma estrutura de madeira.
Outras Dicas:
Troque dinheiro no subsolo do supermercado “êxito”, na entrada da cidade. Melhor cambio e com ar condicionado! Aproveite para fazer algumas compras de mantimentos e fotografar as frutas para que depois saiba do que era o sorvete que você comeu.
Então, depois do calor caribenho subimos montanha para a capital. Bogotá é uma cidade grande, pujante. O poder central de um país que ainda debate o narcotráfico como assunto delicadíssimo. Um país do plano Colômbia onde o exército está por todos os lados e onde a cultura se norteamericaniza cada dia mais. Bogotá estava em convulsão com o impeachment do prefeito Petro. Um prefeito com olhar social, um camarada interessante que ousou enfrentar cartéis de limpeza publica na cidade. Não permaneceu no cargo e as pessoas mobilizavam-se na praça Bolívar para que ele retornasse à prefeitura. Um movimento articulado pelo M-19. Movimento conhecido por ter invadido o ministério da justiça em 1985 para impedir a votação da lei que permitiria extradição dos narcotraficantes presos. (entre eles, o Pablo Escobar). Neste episódio o exército invade o prédio com tanques e mata quem vê pela frente. E pra piorar, pessoas que foram fotografadas saindo vivas do prédio alguns dias depois, sumiram sumariamente. Até hoje não há pistas. Veja registros em:
História latente que é uma ferida aberta para estes colombianos dos Andes.
Um lugar onde a história oficial está estampada em 25 tabletas de mármore por toda a praça bolívar, como que mostrando aos que alí circulam não só os fatos que construíram o país como também à quem pertence esta história.
Por Bogotá, pelo centro velho (Bairro La Candelaria), também vale caminhar bastante. Aqui o clima é bem mais ameno. Neste centro político histórico da cidade, há alguns passeios “world class”. Não é possível passar pela cidade sem visitar o Museu do Ouro. Pertencente a um banco, tem estrutura e acervo absolutamente impressionantes para padrões latinoamericanos.
O museu Botero também apresenta ótima estrutura e acervo doado pelo próprio onde se pode ver, além das obras dele, obras de grandes como Picasso, Dali, Degas, Klimt, Rodin, etc, etc, etc.
Para estes é bom dedicar ao menos um período para cada.
É interessante visitar a praça Chorro de Quevedo. Chorro é Jorro. Há muitas versões, mas a que aceitamos é que um padre instalou alí uma fonte que jorrava água em 1832. Advinha o nome do Padre? Anteriormente, nesta praça foi feito o “esquenta” pra fundar Bogotá na praça Bolívar em 1538.
A visita ao Monserrate é interessante também. Vai-se de funicular e tem-se uma vista da cidade a 3600 metros de altitude. (bom levar agasalho).
Ao pé do passeio teve um que realmente nos surpreendeu. Não está como “world class” nos melhores guias mas é um dos mais legais de Bogotá. É a Quinta onde viveu Bolívar entre os anos de 1820 e 1830. Dali ele saiu para libertar países da América do Sul e onde há um museu sobre a vida privada do libertador cheia de detalhes. Um lugar onde aparenta haver muita pesquisa histórica e muita sistematização de informações para chegar ao resultado que se vê. Fatos interessantes como o de ele ser um maniaco por assepsia chegando a tomar banho uma vez a cada 15 dias (um disparate para a época e também para um lugar frio). Além disso, descobre-se que a cama dele tinha algo como 1,50 m pois acreditava-se que dormir deitado poderia levar à asfixia. Assim, dormia recostado.
Na praça que leva o nome do libertador é interessante rodar e entrar em todos os prédios publicos possiveis. Alí, funciona toda a sede do governo colombiano.
E no meio de todo esse poder, há uma igreja chamada de Santa Clara que também vale a visita. Uma igrejinha que foi construida para clausurar a filha de um homem importante com as clarissas tem uma decoração interna muito impressionante.
Para comer o melhor é realmente caminhar pela candelária e, outra vez, entrar na porta que te apetece. Há uma variedade incrível de tipos de comida e também de preços.
Dicas:
Hotel Chorro de Quevedo – Hotel perto da praça Chorro de Quevedo. Lugar de ótimo atendimento e muito aconchegante. Preço justo. Só é um pouco barulhento pois a parte interna da edificação não é de alvenaria e sim de estruturas de compensado. Mas o dono é um italiano gente fina e os atendentes também!
Café La Puerta Falsa – café intimista e muito gostoso. Vale provar suas almojábanas.
Andres DC – Famoso e Pop restaurante Andrés Carne de Res só que na cidade. Vale a visita aos seu prédio. Sim, é um restaurante que é um prédio e está subdividido em Ceu, Inferno e Purgatorio. A comida é legal mas a decoração e beeeem legal.
BBC – Bogotá Beer Company é uma ótima dica para tomar cervejas artesanais.
Restaurante Sanalejo – Ambiente intimista, quentinho, e com uma comida que foge ao padrão colombiano. Boas massas e uma lazanha excelente!
La Tarteria – Patisserie, café e restaurante francês com ótima comida a preços bem convidativos.
Il Jaim – Sensacional restaurante Israelense. Intimista e aconchegante, sobretudo pela recepção da dona. Na parede um enorme painel do templo Bahai em Haifa, Israel.
Zipaquirá (Zipa era um líder indígena que iniciou a mineração na região) é uma cidade de mais de 400 anos que agrega uma mina de sal ativa que tem uma catedral de sal esculpida dentro dela. Lugar muito interessante. A Cidade de Zipaquirá está a 2 horas de Transmilenio do centro de Bogotá. Trasmilenio é um onibus articulado que anda por um corredor. Projeto e execução brasileiros. E lá funciona 100% e é barato! Não é necessário fazer o passeio com taxis turísticos que podem custar varias centenas de Reais e algumas centenas de milhares de COPs.
Vai-se para a cidade somente para visitar a Catedral de Sal, grande atração. Mas lá há de se tomar cuidado. Ela é como um parque temático que transita entre encantos por ser caverna, por ser mineira, por ser de sal e o turismo religioso. Fizeram, 180 metros embaixo da terra, além de uma grande catedral, um shopping de souvenires. Há muitas ciladas por lá mas terás que descobrir sozinho. Primeiro, acredito que os pacotes que vendem para entrar no parque são demasiado complexos. Pegamos um básico. Os preços não são dos mais baratos e diria que o passeio “ruta Del minero” é muito interessante pra crianças. Tem locomoção no breu, tem simulação de mineração, etc. O cine 3D que mostra os Muiscas iniciando a mineração na região também. Agora, o show de luzes é absolutamente Mico.
Nenhuma outra dica para esta localidade pois tivemos somente este dia.
Em todos estes lugares vimos um país de fortes contrastes, até mesmo considerando os 44º C da costa Caribenha e os 5º C que pegamos em Bogotá. Um país com uma elite americanizada, consumidora e pujante que também congrega uma pobreza profunda por todos os lados que se olhe. Um país que já foi dos mais perigosos do mundo e que fez reabrir o escritório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados no Brasil, tem pelas FARC um sentimento esquisito, um incômodo de um movimento de guerrilha que num certo sentido representa muitos dos princípios que se defendem em todo país. Ao mesmo tempo, sua criminalização e suas atitudes de guerra engasgam o orgulho colombiano.
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